Educar é uma das tarefas mais fascinantes que existe. É ela que permite a transmissão dos conhecimentos e valores de geração para geração. É ela que nos permite conhecer os fatos históricos do passado que deram rumo às civilizações. É ela que nos permite conhecer como e porque surgiram as máquinas e os produtos que facilitam a vida das pessoas. É ela que nos permite compreender que somos o produto de decisões políticas, econômicas e sociais das gerações passadas. É ela que nos permite evitar doenças que acometiam milhares de pessoas na Idade Média, com uma pequena dose de vacina, que foi inventada graças à pessoas que pesquisaram, estudaram e testaram diferentes componentes. É ela que nos permite conhecer, criar, reinventar, quebrar paradigmas, consertar erros do passado – como a manutenção do meio ambiente na produção de alimentos e na construção das fábricas verdes – e projetar o futuro com responsabilidade social e ambiental. Todas as ações voltadas para que o conhecimento produzido seja transmitido e que novos conhecimentos sejam produzidos e transmitidos, num ciclo contínuo e dinâmico, dependem de alguém que assuma o papel de responsável pelo ensino desses conhecimentos e pela aprendizagem de quem os receberá. Alguém ensina e alguém aprende. Esse que aprende reproduz o que aprendeu e cria novos conhecimentos. O professor é um facilitador nesse processo. É ele quem identifica e viabiliza toda a capacidade e potencial que seu aluno naturalmente possui.
Daí o valor do professor neste processo. Todo advogado aprendeu com professores. Todo médico aprendeu com professores. Todo engenheiro, arquiteto e jornalista aprendeu com professores. Até o político aprendeu com professores. Todo professor aprendeu com professores. Todos passaram pelas mãos de alguém que dedicou e/ou dedica sua vida a ensinar e a permitir que uma criança ou jovem torne-se um adulto produtivo, consciente e de sucesso na vida profissional. Quando estes profissionais recebem uma educação de qualidade, voltada para sua formação integral, temos então uma sociedade com bons profissionais e, consequentemente, uma sociedade melhor.
Nunca deixei de acreditar que a educação é o tesouro maior que carregamos em nossas vidas. Tanto a educação que nos é ensinada em casa, pela família, que constrói nossa personalidade, molda nosso caráter e nos ensina os valores de respeito e responsabilidade, quanto aquela formal, que nos é ensinada na escola. Aquela ensinada na escola nos permite saber ler, interpretar, escrever, calcular, raciocinar, deduzir, argumentar, dentre muitas outras capacidades. Ela também nos ensina a importância da convivência em sociedade. Lá temos que aprender a conviver com outras pessoas de diferentes níveis sociais, intelectuais e econômicos. Aprendemos a seguir regras, a respeitar hierarquia, a compartilhar, a colaborar, a trabalhar em grupo, a resolver conflitos e a aceitar o outro com suas diferenças.
O professor dedica horas de seu dia preparando aulas que sejam interessantes. Ele busca metodologias inovadoras que permitam uma aprendizagem eficaz, onde a grande maioria absorva o conhecimento. Por sua vez, cada aluno traz uma bagagem prévia de conhecimentos e cada um possui um mecanismo cognitivo próprio para receber e processar o conhecimento. O sucesso neste processo depende quase que totalmente do educador que, diante de uma platéia que interage com um mundo informatizado e cheio de novidades tecnológicas, precisa seduzir seus alunos (no bom sentido!) para que suas aulas tornem-se atraentes. Não basta apenas chegar na sala de aula, fazer uma cópia do texto do livro no quadro negro e pedir que todos copiem e respondam o questionário. Não é mais assim que nossa geração aprende.
Entretanto, sobreviver em uma sociedade em que não se valoriza o trabalho docente é no mínimo desanimador. São tantas as atribuições que desempenhamos dentro de sala de aula e há tanto trabalho fora dela também, que resolvi listar aqui algumas:
- · sondar o nível de conhecimento da turma para saber o que planejar (o quê e como ensinar);
- · elaborar o planejamento escrito e apresentá-lo à coordenação pedagógica;
- · pesquisar na internet ou em livros e digitar atividades (PowerPoint ou xerocadas) ou preparar dinâmicas que serão realizadas pelos alunos; (trabalhar apenas com o livro didático, torna o processo de ensino-aprendizagem pobre e pouco criativo)
- · preparar materiais concretos como jogos e brincadeiras que permitam uma aprendizagem mais prazerosa e eficaz para os alunos;
- · buscar recursos na escola ou do próprio bolso para realizar atividades diferentes que sejam atraentes aos alunos; (se na escola não tem aparelho de som, o professor compra um. Muitos compram até projetor pra tornar as aulas mais interessantes)
- · acompanhar o rendimento escolar individual dos alunos;
- · pensar em novas estratégias de ensino e aplicá-las quando se verifica a existência de dificuldade de aprendizagem no aluno;
- · corrigir tarefas de casa em cadernos e livros de cada aluno, independente se a sala de aula tem 15 ou 35 alunos, isso às vezes durante o recreio ou na hora atividade (hora destinada para planejar e preparar materiais que serão utilizados nas aulas);
- · corrigir as atividades individuais em sala de cada aluno e sanar as dúvidas daqueles que têm mais dificuldade;
- · elaborar provas de cada disciplina (português, matemática, história, ciências etc);
- · corrigir as provas uma a uma verificando as dificuldades individuais dos alunos;
- · avaliar o desempenho diário do aluno em sala de aula, pois não podemos avaliá-lo apenas pelas provas escritas.
- · resolver problemas relacionados à indisciplina em sala de aula;
- · escrever ou colar recados em agendas ou cadernos de recados para os pais;
- · preencher o diário de classe com a freqüência dos alunos e o conteúdo trabalhado por aula;
- · calcular as médias de cada aluno e de cada disciplina e lançá-las no diário e canhoto;
- · preparar atividades extras àqueles alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem para uma recuperação contínua do aluno;
- · preparar-se para reunião de pais, reuniões pedagógicas, cursos, palestras e congressos sobre educação, geralmente solicitado ao professor, como forma de atualizá-lo diante das novas teorias educacionais;
- · observar, diagnosticar e comunicar à família, que deverá encaminhar ao profissional competente, aquele aluno que apresenta algum problema de ordem física ou cognitiva, como problema visual, auditivo ou fonoaudiológico, por exemplo, que impede a aprendizagem de forma plena.
Além dessas atribuições rotineiras ao trabalho docente, o professor se depara com questões de ordem subjetivas, lidando com casos sérios de desvio de conduta, quando não são alvos de violência física ou psicológica, o que dificulta seu trabalho e o torna ainda mais estressante.
Geralmente, ele também é responsabilizado pelos pais de alunos quando as notas não são satisfatórias. Porém, muitas vezes, a ausência da família na vida escolar do filho é a responsável pelo fracasso escolar.
Eu quis neste texto, fazer uma reflexão e um desabafo. Lidar com todas estas questões inerentes ao trabalho docente requer um equilíbrio emocional que depende de muitas questões. Uma delas, e acho que atualmente uma das mais importantes, é poder trabalhar (sem precisar trabalhar 3 períodos) sabendo que o pagamento recebido no começo do mês vai ser suficiente para pagar todas as contas e que vai sobrar um pouco para o lazer e para poupar, já que tempos difíceis parecem estar voltando com a inflação.
Aqui na capital de MS, duas das melhores escolas particulares pagam em torno de 1.200,00 (bruto) por período (20h/aula). Com os descontos, o salário cai para 1.000,00, aproximadamente. Se professores destas escolas que oferecem os melhores salários, trabalham 40 horas semanais (apenas em sala de aula, pois trabalha-se mais umas 15 ou 20 horas pelo menos em casa), estes somam a incrível quantia de 2.000,00, (dois mil reais). Pergunte a um deles o quanto ele investiu em sua graduação, em sua pós-graduação em seu mestrado. Quanto ele gastou em livros, em recursos áudio-visuais próprios, em cursos extras para tornarem-se profissionais mais bem capacitados?
Aqui, o município paga em torno de 1.300,00 por 20 horas aulas semanais e o Estado em torno de 1.400,00, um dos melhores salários públicos da educação em nosso país, segundo o site da Secretaria da Educação divulgou no ano passado. Ou seja, calculando por alto, com 40 horas semanais, dá para ganhar pouco mais de 2 mil reais. Muitos se desdobram trabalhando quase 60 horas semanais para ganhar um pouco mais de 3.500,00, dependendo do tempo de carreira ou da formação.
Pensando em tudo isso, fico me perguntando se vale a pena ser professor no Brasil. Deixando a visão romântica de lado que nos fez escolher esta carreira por um ideal ou por vários ideais, pensemos friamente. O que há de interessante para os jovens que pretendem optar pela profissão de professor daqui para frente? O salário é baixo, as condições de trabalho são, muitas vezes, degradantes com salas de aula precárias, sem carteiras, com goteiras etc. Não fosse tudo isso, ainda os jornais anunciam a distribuição de livros didáticos que admitem erros de concordância verbal, como se os alunos fossem incapazes de aprender a falar e a escrever corretamente.
Portanto, preocupa-me os rumos da educação. A perspectiva de melhoria salarial, tanto nas instituições públicas de ensino, quanto nas particulares, não alcança nossas reais necessidades, e o reconhecimento pela sociedade do valor do educador passa longe.
A essa altura do campeonato penso em me dedicar a outro ofício. Um que valorize as horas trabalhadas de fato, um que me permita cuidar do futuro da minha filha e da minha família, e que não me obrigue a passar as horas de descanso em casa, trabalhando ainda mais. Até porque em casa há outras tarefas que precisam ser feitas, e que só o salário de professor não permite o luxo de se ter uma empregada, que agora, pela nova lei, tem que ter, além da carteira assinada, 13º, INSS e férias, depósito de FGTS. Quem aguenta isso?
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