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sábado, 27 de agosto de 2011

Filhos do abandono


Ser mãe! Ser mãe não é apenas parir uma criança. Não é dar a ela simplesmente a dádiva de viver (ou sobreviver). Não é espalhar aos quatro cantos que carregou o filho na barriga por nove meses. Muito menos é contribuir com o aumento demográfico espalhando filhos pelo mundo e os abandonando. Porque é isso que vemos nos dias de hoje. Vemos muitos filhos do abandono.
Ser mãe é muito mais que isso. É entrega total, é renúncia, é amor incondicional, é atenção redobrada, é culpa quando se erra, é perder noites de sono, é alimentar com o que se tem, mas é alimentar, é cuidar da doença, é estar junto sempre que puder, mas junto de verdade. Não só estar junto e ficar xeretando o celular ou o computador. Ter filho é ter preocupação as 24h do dia.
Tenho uma filha de três anos e meio. Acho que já falei isso em outros posts. Dia desses a levei para a escola, como faço todos os dias. Estávamos meio atrasadas e eu a puxava pelas mãos, andando apressadamente pela rua para não chegar mais atrasada do que ela já estava. Nos atrasamos porque quase esqueci que era dia de levar uma cenoura ralada de lanche. A turminha dela iria fazer um sanduíche saudável. Era o “Sanduíche da Maricota”, título do livro da escritora infantil Tatiana Belinky. Tive que refazer a lancheira na última hora, mas cumpri com o que se exigia na agenda escolar. Olho a agenda todos os dias e faço tudo o que a escola pede. E quem tem filho pequeno em escola, sabe como as escolas pedem coisas.

Por que falo sobre isso? Não falarei especificamente da minha filha, nem da minha rotina de mãe, mas dos filhos alheios. Filhos sem mãe, ou com mães que apenas pariram. Quero falar disso porque sou mãe, e quem é mãe sabe das pequenas coisas que fazem a diferença na vida do filho. Um olhar doce ou reprovador. Uma mão que afaga ou, quando necessário, mais enérgica aplica o castigo. Eu acompanho cada passinho da vida da minha filha, e pretendo acompanhar sempre. Observo qualquer mudança de comportamento durante o seu desenvolvimento e investigo a causa. Cuido para que ela não fique muito tempo na frente do computador, do game ou da TV. Faço ela perceber que terá conseqüências, caso descumpra as regras da casa, deixando-a ficar sem algo de que ela gosta muito. Dou carinho, dou bronca, dou meu tempo quando ela quer brincar e deixo de fazer o que for para ler uma historinha quando ela vem com um livro nas mãos. Não tenho babá. Como ainda não voltei a trabalhar, posso me dar ao luxo de estar com ela quase o dia todo, fazendo o que uma mãe deve fazer. Ser mãe.

O que me fez refletir sobre tudo isso é o fato de que me dei conta de que estamos errando. Digo “estamos” me referindo à nós, enquanto família, escola e sociedade. Os jornais noticiam, quase que diariamente, acontecimentos absurdos, inacreditáveis, inaceitáveis. Assisto ou leio e fico me fazendo mil perguntas.
Há alguns dias a imprensa vem noticiando sobre as crianças e adolescentes que praticam crimes nas ruas de São Paulo. As cenas das câmeras de segurança mostram crianças e jovens, em geral meninas, entregues às drogas e à própria sorte. Elas invadem estabelecimentos comerciais e roubam, agridem e falam palavrões. Elas estão bem informadas sobre seus direitos e sabem que não podem ficar detidas se tiverem menos de 12 anos. Então, todas se declaram menores de doze anos. Elas são levadas pela polícia, entregues ao Conselho Tutelar e soltas tão logo digam que são menores de doze anos. Assim, no outro dia lá estão elas cometendo os mesmos crimes. Menores de doze anos não podem ser encaminhadas para instituições para receberem medidas sócio-educativas. E elas, eu repito, sabem disso.
Alguns dias depois dessa notícia, uma pior foi exibida pelo mesmo jornal. Os menores, meninos e meninas, foram pegos pela polícia depois de roubarem um celular da camareira de um hotel e foram encaminhadas ao Conselho Tutelar. Lá elas quebraram uma sala inteira e fugiram. Foram recapturadas e, mais uma vez, a cena choca ao exibir crianças visivelmente drogadas e agressivas, xingando as câmeras de Tv e as pessoas que tentavam conter sua agressividade, dando chutes no ar e gritando para que as largassem. Ninguém sabia o que fazer diante daquela situação. Nem conselheiras, nem policiais.
Muitas dessas crianças têm mãe, tem pai e estes sabem das infrações cometidas pelos filhos. Pergunto-me: O que o Estado faz para resolver esse tipo de problema que tem a origem na família? Como resolver o problema de crianças e jovens que pertencem à famílias desestruturadas, que têm pais que usam e permitem o uso de drogas pelo menor, que não se importam com a promiscuidade dos filhos, que conhecem a prática de assaltos e outros delitos? A sociedade se pergunta “o que fazer com essas crianças e jovens? E eu me pergunto: o que fazer com as famílias delas?   
Essas crianças e adolescentes não têm nenhum modelo estrutural para seguir. Nenhum modelo de moral e civilidade. Nenhuma referência de amor, respeito e cuidado. Para mim, pessoalmente, isso soa tão forte e tão surreal, que sinto o peito de mãe apertar, cada vez que me penso nisso. Penso na sorte que minha filha tem e na falta de sorte dessas crianças. Queria eu poder acolhê-las e fazer com que começassem do zero. Dar a elas a oportunidade que elas merecem.
Refletindo mais a fundo sobre este problema, podemos deduzir que os pais desses menores devem ser adultos que tiveram a mesma infância que seus filhos têm hoje. Filhos sem pais, sem modelos, sem família, sem amor, sem carinho e sem limites. Sem modelos estruturados de famílias. São seres que, abandonados, aprendem na rua a sobreviver como podem e transferem isso aos seus filhos que, provavelmente, transferirão para seus filhos no futuro. 

Um outro absurdo envolvendo jovens adolescentes aconteceu bem aqui na cidade onde moro. Um grupo de mais ou menos vinte jovens entre 13 e 17 anos estariam “matando aulas” na escola conde estudam e se encontrando na casa de um ex aluno da mesma escola. Lá eles fariam uso de bebidas alcoólicas, maconha e estariam praticando sexo em grupo. A mãe de uma das meninas investigou por conta própria e descobriu o que acontecia na casa e denunciou às autoridades. Segundo os jornais, a dona da casa em questão saia para trabalhar e seu filho de 16 anos reunia-se com os outros jovens para as tardes de bebedeira, consumo de drogas e prática de sexo. A mãe desse menino disse que não poderia impedir que o filho recebesse os amigos em casa. Agora pensem comigo, se jovens se reúnem para beber, se drogar e praticar sexo, certamente deixam vestígios pela casa, como garrafas ou latas de bebidas alcoólicas, camisinhas (se é que usaram) ou mesmo vestígios de relações sexuais nas roupas de cama, já que muitos jovens usavam o mesmo quarto ao mesmo tempo. A pergunta que me faço: A dona dessa casa, mãe desse menino de 16 anos que era o líder do grupo, não sabia o que acontecia na sua ausência? Se sabia, por que não tomou uma providência? Meu Deus, eu como mãe, fico indignada com a inércia das pessoas. Mãe não pode ser inerte. Mãe não pode apenas parir e largar a cria, como fazem muitos animais na natureza.
Nesse caso houve omissão da mãe do menino que organizava as orgias, houve omissão dos vizinhos dessa casa, que viam a movimentação de entra e sai de adolescentes, e não denunciaram. Apenas uma denúncia anônima ao CT. Houve também omissão da escola que não comunicou a ausência dos alunos que repetidamente se ausentavam da escola duas vezes por semana. Houve omissão da sociedade em geral. E por último, e não menos importante, na hierarquia das responsabilidades, houve omissão do Estado que não cumpre seu papel, nos dois casos que aqui relatei.
O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990, decreta em seu Artigo 4° o seguinte: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.E o que o Estado faz para fazer cumprir a lei? O que o Estado faz com as crianças nas ruas dos grandes centros? Que direitos o Estado garante aos menores que não têm alimentação, educação, esporte, laser, cultura, dignidade e convivência familiar saudável? A Lei no papel é tão bonita que chega a emocionar quem a lê com mais atenção. Mas ela se limita ao papel. Por que o Estado permite que estes menores retornem a seus lares desestruturados? Por que o Estado permite que os pais continuem usando seus filhos para conseguirem objetos de valor ou dinheiro para trocarem por drogas? O que o Estado vai fazer para evitar que jovens se evadam das escolas, se embebedem, consumam drogas e pratiquem orgias?  
Nos dois casos aqui relatados, vimos crianças e jovens abandonados, sem estrutura familiar e nenhum apoio efetivo do Estado. O Estado falha, quando deixa de aplicar os recursos que arrecada com os nossos impostos nos setores de extrema importância na sociedade. Nossas escolas estão mal estruturadas com profissionais mal remunerados e, muitas vezes, mal preparados, para dar conta dessa sociedade complexa. As instituições sócio-educativas são depósitos de delinqüentes. Desconheço qualquer instituição, dessas mantidas pelo governo, que tenha recuperado algum jovem que lá tenha passado. Todos saem de lá piores do que entraram e quando atingem a maioridade, continuam praticando crimes e superlotando as penitenciárias, quando não morrem vítimas do meio degradante em que vivem.
Nós, enquanto sociedade, falhamos quando fechamos os olhos para estes absurdos que envolvem crianças e jovens. Nós falhamos quando não nos manifestamos contra a corrupção que colabora para que os recursos arrecadados com o nosso dinheiro, não sejam aplicados integralmente onde deveriam ser aplicados: na educação, na saúde, na segurança. Nós falhamos quando banalizamos a violência, esteja ela longe ou perto de nós. Somos todos responsáveis pelo abandono dessas crianças. Cada um de nós, família, escola, sociedade, estado, porque não fazemos cumprir os direitos desses menores.

Meu coração de mãe clama pela salvação dos filhos alheios, pelos filhos do abandono. Filhos que foram apenas paridos. Filhos abandonados, sem mãe nem pai, sem rumo, sem norte, entregues a própria sorte. São apenas crianças. São o espelho da nossa sociedade, e nós somos a sociedade, eu e você. Eles são o futuro. São eles que vão construir a sociedade do amanhã. São eles que, adultos, conviverão com nossos filhos, também adultos. Minha filha vai olhar para eles e talvez me perguntar como deixamos que chegassem até lá sem uma segunda chance. No futuro, quando virmos nos olhos dessas pessoas, já adultas, as crianças que um dia foram, não teremos mais o que fazer.

Um comentário:

  1. Realmente devemos conversar e discutir com todos os segmentos da sociedade formas de amparar estas crianças, que na rua sofrem todo tipo de abuso.

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